Para que tanta pressa? (14/10/2006)

No filme Alice no país das maravilhas, o coelho maluco vive olhando o relógio e correndo para lá e para cá, sempre cheio de pressa. Da ficção para a realidade, qualquer semelhança com o homem dos dias atuais não é mera coincidência. É semelhança mesmo. Atente aos exemplos abaixo:

“Agora não, não tenho tempo para isso.”

“Preciso dar o máximo de mim enquanto sou jovem, para usufruir amanhã, na minha velhice.”

“Se não fizer isto hoje, meu concorrente faz e eu perco o cliente.”

“Se não cumprir o prazo, é encrenca na certa.”

Estas frases já foram pronunciadas por você ou algum conhecido seu? Em caso afirmativo, parabéns! Você não é diferente da maioria das pessoas que vivem no mundo globalizado.

A verdade é que a vida cotidiana como é hoje, seja pessoal, profissional ou familiar, com todos os seus afazeres e compromissos, está deixando as pessoas sem tempo. Globalização, competitividade, prazos, filhos, etc., têm levado as pessoas a implorar por mais horas ao final das últimas vinte e quatro horas. A globalização acabou com os fusos horários e as fronteiras entre os países.

A impressão é que o tempo acelerou e as pessoas, independentemente de sua profissão, raça, religião ou condição social, não conseguem mais encaixar, em apenas vinte e quatro horas, todas as suas tarefas. E esta idéia de que tudo está indo muito rápido leva as pessoas a uma angústia de correr atrás do tempo, o que produz mudanças no seu comportamento e estilo de vida. E acabam esquecendo que os dias continuam a ter o mesmo número de horas; os meses, o mesmo número de dias;e, os anos, o mesmo número de meses.

“Corremos cada vez mais depressa rumo a lugar nenhum”, afirma Eduardo Gianetti. E acabamos nos tornando dependentes não só do nosso próprio tempo e ritmo, mas também do tempo e do ritmo dos outros, o que faz com que não nos sobre tempo.

Ana Maria Rossi (ISMA-Brasil) afirma que, hoje, a sociedade gratifica quem está ocupado o tempo todo, sendo muito forte a idéia do “quanto mais correr, melhor”.

Uma das razões desta pressa toda pode estar relacionada aos avanços da tecnologia (fax, e-mail, celular, palm, internet, comunicação via satélite, etc.),m o que faz as informações chegarem praticamente on time. Acredita-se que a cada 20 meses o número de informações é dobrado, o que demanda mais tempo para sua assimilação.

Um dado interessante vem da pesquisa do Prof. Karl Kupfmuller, da Universidade Técnica Darmstadt, onde foi concluído que recebemos entre 10 e 100 milhões de informações por segundo.

Outros dados publicados no livro The User Illusion, de Tor Norretranders, mostra que o ser humano consome 2 bits por segundo ao fazer a leitura de um texto. Se um livro de duzentas páginas tem, em média, 450 mil caracteres, isto implica que absorvemos 900 mil bits na sua leitura.

Todos os nossos órgãos dos sentidos são usados na recepção e processamento de dados: olhos (10 milhões de bits/segundo), ouvidos (100 mil bits/segundo), pele (1 milhão de bits/segundo), paladar (1000 bits/segundo) e nariz (100 mil bits/segundo).

E o que é mais impressionante: nossa consciência só processa um máximo de 50 bits de informações por segundo. Daí a sensação de estarmos sempre atrasados em relação a ler o último sucesso literário, experimentarmos a comida daquele novo restaurante, etc.

O mesmo ocorre também nas empresas. Nas últimas décadas os processos tiveram que ser “acelerados” para acompanhar o ritmo do mundo, exigindo cada vez mais pressa. Os resultados (perniciosos?!) tem mostrado que a velocidade das inovações está maior, os prazos para a realização e implantação de novos projetos estão cada vez menores e o estresse chegando a níveis altíssimos acompanhado de todas as suas consequências.

Veja o exemplo: quando Henri Ford, em 1914, implantou a linha de montagem de carros, ele se orgulhava de montar um carro a cada 93 minutos. Atualmente o complexo industrial Ford Nordeste monta um carro a cada 80 segundos.

O ambiente de trabalho também pode ser considerado um estímulo para toda essa pressa, onde os colaboradores buscam sucesso e reconhecimento de forma desenfreada.

Atualmente, pressa é considerada doença. Descrita inicialmente nos Estados Unidos (hurry sickness), é desencadeada pela crença de que se pode realizar tudo agindo-se de maneira acelerada. Lothar J. Seiwert e Ann Mcgee Cooper, em seu livro Se tiver pressa, ande devagar, afirmam que a doença da pressa leva ao aparecimento de outras doenças, como doenças cardíacas, arritmias, úlceras do estômago e tensão nervosa, além de alterações emocionais (angústia, ansiedade e dificuldade para relaxar a mente) e comportamentais (abuso do álcool).

Carl Honoré, em seu livro Devagar, relata que, para os ocidentais, o tempo é linear e nunca volta. E, como se quer ter a sensação de tirar o máximo dele, a solução é acelerá-lo. Mas também cita outras consequências: prejuízo para as relações interpessoais (namorado(a), amigos (as), família) onde o tempo é pouco para um envolvimento mais profundo; engordar ao comer de forma rápida alimentos processados e com alto valor calórico; ter idéias pouco criativas por dar à mente poucas chances de um funcionamento mais suave, característica de quando estamos relaxados; e, correr demais com as tarefas profissionais, o que pode gerar erros e resultados ruins ou desastrosos.

Jael Coaracy afirma que o acúmulo de atividades faz com que esqueçamos dados e feitos importantes, além de nos tornarmos ansiosos e menos produtivos.

Além disso, a suposta escassez de tempo leva a pessoa a fazer várias coisas ao mesmo tempo, o que aumenta a tensão e o cansaço. A pessoa começa a reclamar em demasia e torna-se irritada e impaciente, mesmo sem motivos aparentes.

A pressa constante também aumenta as chances de um derrame cerebral ou infarto do miocárdio. Estudos mostraram que 75% das pessoas que sofreram infarto eram portadoras da doença da pressa.

Todos os fatores acima relatados geram um dos males atuais da humanidade: o estresse. Segundo estudos da International Stress Management Association, a falta de tempo é uma das principais causas do estresse, perdendo apenas para a violência e o desemprego.

Por outro lado, existem pessoas que inventam motivos para ficarem estressadas, como se a moda fosse ser apressado. De acordo com o Prof. Thomas Wood Jr., “o estresse não seria tanto pelo esforço de nossa atividade, mas pelo esforço que fazemos para parecer que temos muito trabalho. Fingimos pressa, andamos com o celular, gritamos, fazemos reuniões, etc.” Segundo ele, esta categoria de estresse é denominada “síndrome do ator”.

Outras pessoas não “põem o pé no freio” com medo de serem rotuladas de vagabundas, preguiçosas, procrastinadoras, “fora de ritmo”, lerdas, “devagar quase parando” ou incapazes de acompanhar o ritmo de seus pares ou o ritmo da empresa onde trabalha.

Uma pesquisa realizada pela ISMA-Brasil com mil brasileiros economicamente ativos mostrou que 30% deles sofriam da doença da pressa; 13% achavam que deveriam ir mais devagar, só não sabiam como; e, apenas 8% se davam conta que deveriam reduzir seu ritmo de vida e estavam tomando ou já tinham tomado alguma providência a respeito.

Uma outra pesquisa coordenada pela psicóloga Marilda E. N. Lipp (PUC – Campinas) mostrou que, só em São Paulo, cerca de 20% da população já sofre da doença da pressa e 75% têm o potencial de desenvolvê-la. Para mais, em dez empresas do eixo Rio – São Paulo, 95% de seus executivos padecem deste mal e ainda “se orgulham de serem rápidos e não querer mudar”. Segundo a pesquisadora, estas pessoas não admitem “perder tempo” com coisas simples como descansar, ir a festas ou conversar com amigos.

E o que nos faz perder tempo? Dentre as várias causas podem ser citadas, por exemplo: transito; reuniões longas, sem foco, improdutivas e com muitas conversas paralelas; almoço de negócios, telefonemas, e-mails, e por aí vai.

Apenas como exemplo, em uma pesquisa realizada entre os profissionais brasileiros da Microsoft, entre setembro de 2004 e janeiro de 2005, foi observado que entre as causas de diminuição da produtividade estavam a resolução de crises de última hora (“apagar incêndios”) e conversas paralelas. E que a produtividade ocorria em apenas 60% do seu tempo, isto é, dois dias da semana eram perdidos em função destas causas.

Na revista Você S.A (novembro/2005), a escritora Rosiska Darcy de Oliveira alerta: “O trabalho, por mais prazer que dele se extraia, não pode ser o maior consumidor da vida no trabalho. Hoje é ele quem ganha a nossa vida. As pessoas estão colapsando – embora este não seja um processo declarado. Jovens estão tendo infartos cada vez mais cedo: as crianças perderam o direito à brincadeira e com cinco anos já estão com a agenda lotada; os pais delegam a criação dos filhos a prestadores de serviços.

Trabalhar demais neste cenário tem sido apresentado como uma grande qualidade. Isto é uma insalubridade psíquica, é muito grave”.

Roger Merril e Rebecca R. Merril, no livro Questões Fundamentais da Vida, afirmam que “o tempo é um quantificador de valor, da troca, no equilíbrio da vida (…) A maneira como usamos o tempo reflete a capacidade que temos para nos concentrar e, portanto, atingir nossas principais prioridades. É o que mede nossa capacidade de expressar o que é mais importante naqueles momentos decisivos do dia-a-dia”.

John de Graf, coordenador da organização americana Take Back Your Time, afirma “não adianta correr para ficar rico e perder a riqueza da vida”. Para vivermos bem devemos, isto sim, valorizar o tempo, ou seja, correr quando necessário mas saber a hora de parar.

Você tem a doença da pressa?

Em seu livro Se tiver pressa, ande devagar, os autores sugerem o seguinte teste para sua própria auto-avaliação. Responda de forma honesta verdadeiro ou falso.

Resultado:

  1. 0-3 pontos – Parabéns! Você apresenta todas as condições de assumir encargos de maneira saudável e adota a máxima: “A força está na tranquilidade”.
  2. 4-6 pontos – Você vive numa zona de perigo. Analise bem sua rotina e se empenhe em adotar um equilíbrio maior entre situações estressante e relaxantes.
  3. 7 ou mais pontos – Você está com a doença da pressa. Reduza já o seu ritmo antes que seja tarde demais.

Um outro teste foi publicado na Revista Saúde é Vital (fevereiro/2005) , onde as respostas devem ser respondidas de forma igual ao teste anterior.

Resultado:

  1. 0-4 pontos – Parabéns! Você controla seu tempo e faz dele um aliado.
  2. 5-8 pontos – Cuidado! Tanta pressa pode interferir na sua qualidade de vida. Re-avalie prioridades e mude os comportamentos que fazem acender a luz de alerta.
  3. 9 pontos ou mais – Atenção! Sua saúde está em riso. Mude o que puder e aceite o que está fora de controle.

Caminho para desacelerar

Para nos livrarmos da síndrome da pressa, antes de mais nada é necessário saber se estamos doentes. Se você fez os testes e chegou a um diagnóstico positivo, então é bom pensar em começar a desacelerar.

Inicialmente deve-se desenvolver a autodisciplina. E isto implica em se fazer um bom planejamento e seguí-lo à risca, com a finalidade de melhor administrar todos os afazeres e obrigações dentro de um intervalo de tempo que será única e exclusivamente controlado por você. Liste o que tem que ser feito em ordem decrescente de importância.

Para ajudá-lo(a), transcrevo parte de um texto publicado na revista Isto É nº 1850:

O que é muito ruim para a pessoa é quando se confunde urgência com prioridade. Nestes casos a pessoa fica “apagando incêndios” e atuando sem foco em seus objetivos.

A esse respeito, a consultora Stephanie Winston sugere que:

Marque na sua agenda todos os seus afazeres: reuniões, encontros, confecção de relatórios, almoços, etc. Só assim você terá uma idéia do que será possível fazer hoje e o que ficará para o dia seguinte.

Tenha por hábito dividir seu tempo entre as responsabilidades do seu trabalho, compromissos relacionados ao seu desenvolvimento pessoal e profissional e períodos para “não fazer nada”. Neste último, aproveite para ler um livro, praticar um hobby, exercitar-se ou simplesmente “desligar-se” da tecnologia (internet, televisão, celular, etc.). Ou então, pratique meditação, silencie sua mente e ouça seu corpo, seus sentidos e sua voz interior. Não esqueça o ditado: a inspiração do gênio corresponde a alimentar-se do silêncio.

Procure o equilíbrio entre o “fazer” e o “ser”, entre cumprir sua agenda e observar a natureza, entre ser eficiente e consciente.

Lembre-se que no início da manhã nossa mente está menos “carregada” com as informações do cotidiano. Reserve um tempo, preferencialmente de manhã, para atividades que exigem maior concentração, como elaborar um relatório, prepara um artigo ou montar uma apresentação. Peça às pessoas à sua volta, membros de sua equipe, colaboradores, que não o interrompam neste período.

Muitas vezes, por não saber dizer não, as pessoas acabam fazendo mais e mais, sendo que algumas coisas são feitas de forma muito mais rápida que o necessário. Indiretamente as pessoas as quais você atende, e você mesmo(a), estão contribuindo para a piora de sua saúde.

No trabalho, tenha um identificador de chamadas telefônicas em sua mesa. Isto lhe ajuda a não ser interrompido quando você estiver ocupado e não quiser atender ao telefone.

Nas reuniões procure sempre saber antecipadamente a pauta e o tempo da mesma. Dela deverão participar apenas as pessoas envolvidas com os temas a serem discutidos. Um relógio de parede na sala de reuniões é ótimo pois ajuda as pessoas a não se desviarem dos assuntos em pauta.

Deixe alguns “buracos” na sua agenda diária. Isto lhe dá liberdade para atender imprevistos ou para tomar um cafezinho de forma tranquila. Tenha por hábito juntar as atividades semelhantes em “pacotes”, o que lhe auxilia na administração das suas atividades. Em casos extremos, não seja rígido consigo mesmo(a) e mantenha uma boa dose de flexibilidade.

Antes de dormir, faça o planejamento para o dia seguinte. Sabedor(a) de suas próximas tarefas, você acorda melhor preparado(a) para desempenhá-las.

Também não esqueça de separar um tempo para conviver com sua família e seus amigos.

Finalmente, procure sempre adequar suas expectativas ao que é realmente possível fazer no seu espaço de tempo.

Necessitamos entender que existe tempo para o trabalho, mas também existe tempo para a família, o lazer e o descanso. Para Fábio Luciano Violin, é este conjunto que determina nossa qualidade de vida, e nos dá alguns conselhos:

Você é quem tem o domínio sobre o seu tempo. Sendo assim, não se faça consumir por ele. Você vai envelhecer muito mais rápido e desenvolver doenças, algumas fatais.

Nossa qualidade de vida irá aumentar na mesma proporção que mudamos nossas atitudes. Uma mudança na maneira de encarar nosso próprio tempo só irá trazer benefícios para o nosso corpo e nossa mente e nos dará maior equilíbrio para enfrentarmos o cotidiano.