A VIDA DO RIO
(01/09/2004)

Luis C. Morais

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Pequenas partículas cintilantes, gotas de chuva caem sobre a serra. Penetram pelo solo até as cavidades embrionárias da terra.

Em tempo certo, como consequência de um processo contínuo e inteiramente natural, parte das águas retornam à superfície, nascendo para a luz através de uma fonte borbulhante. Um pequeno regato de águas frescas e cristalinas. Corre saltitante como criança pelo declive abaixo, respingando nas pedras e na vegetação ao seu redor. Sente-se em ambiente afável e acolhedor, como se estivesse mesmo no seio de sua família. Causa alegria a todos os seres que vêm ao seu encontro, desfrutando da sua natureza agradável e refrescante. O seu ruído, provocado pelas corredeiras e pequenas quedas, é gostoso de se ouvir, tão agradável e melodioso como os das brincadeiras infantis. Pode-se observar as nuances das cores, onde se contrastam os vários matizes de verde que vão desde o escuro dos musgos ao dourado das folhagens e da relva. Contribuem também para a beleza da paisagem os inúmeros espelhos d’água que se formam nos remansos. O céu mostra-se agora claro e de um límpido azul, típico do que ocorre após as chuvas deverão. No ar um aroma oriundo de flores e ervas silvestres contribui para formar uma atmosfera de encantos inspirações. Tudo apresenta uma beleza simples, natural e atraente; uma verdadeira dádiva. Trata-se do início de uma existência, onde tudo ainda está perpassado de amor e de pureza.

O pequeno riacho, à medida que segue seu caminho, desnível abaixo, faz contato com outros córregos, também jovens como ele, porém com outras características, as quais vai incorporando às suas, enriquecendo a sua formação. Ele observa ao longo do trajeto outras paisagens e novas plantas, saudando-o com a queda de folhas, flores e pequenos frutos em suas águas. Relaciona-se também com outras espécies de animais, pássaros e peixes, em fim, com toda a nova multiplicidade de seres vivos, que igualmente fazem contato com a sua vida.

O pequeno Rio, em seu progressivo avanço, continua a encontrar outros aos quais vai se juntando e compartilhando de suas memórias e aumentando também cada vez mais a sua diversidade.

As águas do Rio, agora bastante distanciadas da nascente, já não são tão claras como antes e isto se deve tanto às impurezas do terreno sedimentar que as mesmas atravessam, bem como também ao muito que lhe foi acrescentado ao longo do tempo.

O Rio segue então por áreas mais descampadas. Passa por lugarejos e cidades que utilizam parte das suas águas para o consumo e devolvem lhe, em seguida, o que sobra em condições muito precárias.

Essas águas já servidas carreiam, então, para o Rio, inúmeros elementos nocivos que além de afetarem a sua saúde prejudicam também a todos aqueles que dele necessitam, sendo que em geral vivem nas suas proximidades e dele retiram parte do seu sustento.

O Rio contudo não está totalmente sozinho e desamparado, como filho da natureza recebe constantes auxílios da entealidade através dos elementos, seja através de novas águas, tanto de chuvas como também de outros afluentes com águas mais limpas, bem como por outros processos naturais de purificação. Com isso ele cresce e torna-se cada vez mais forte e experiente. Colabora com a vida, dá trabalho, gera energia, transporta, limpa, dá de comer, mata a sede, enfim, beneficia todo o seu ambiente.

O grande Rio, após tanto tempo e de percorrer tanto chão, depois de ter sido festejado e também maltratado, pressente por fim a sua proximidade com mar, dirigi-se para o oceano consciente de ter cumprido fielmente a sua missão em cada um dos estágios por que passou; sabe também que sua contribuição continuará sendo importante além da sua foz pela entrega de sua fertilidade ao mar. Poderá, enfim, partilhar da universalidade dos oceanos interligados.

O Rio não morre ao chegar ao mar, apenas adquire uma outra dimensão que se integra ao que é muito maior.

A garantia de existência do Rio é proporcionada por vários fatores de equilíbrio da natureza e dentre eles a evaporação das águas dos oceanos, que através das nuvens permite que novas gotas de chuvas, quais partículas cintilantes, caiam novamente sobre a terra. Esse ciclo deveria ocorrer sempre de forma harmoniosa e sem aspectos catastróficos se o homem não interferisse de forma desastrada no meio ambiente.

Em um processo comparativo entre os rios e o ser humano, não seria exagero afirmar que este deveria notar e refletir sobre o rio que também flui em sua vida, ainda antes desta chegar ao estuário de sua existência terrena. Analisar de que maneira participa de sua própria melhoria bem como a do meio em que vive. Assim procedendo, começaria a percorrer de maneira certa o caminho para o cumprimento de sua missão, possibilitaria a si próprio chegar, em exortação, a um profundo sentimento de gratidão para com Aquele que o criou, o Criador de Todos os Universos, sendo que, buscando em seu amadurecimento, o verdadeiro conhecimento sobre a Criação, bem como a plenitude de sua autoconsciência, ele poderá pressentir, ainda antes do limiar de sua trajetória terrena, toda a grandiosidade dos oceanos que estão além deste plano material e também quão imensurável é o amor do Criador.