Aspectos Desconsiderados da Doutrina de Cristo

Tornai-vos como as Crianças!

“Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus.”

(Mt18:3; Mc10:15; Lc18:17)

Converter-se e tornar-se como as crianças! Duas necessidades imperiosas para o ser humano que almeja atingir a vida eterna. Significam reconhecer as leis da Criação e pautar a existência estritamente de acordo com elas.

Tornar-se como as crianças equivale a ser simples e natural em tudo, como exigem essas leis. Significa ter a capacidade de ainda intuir infantilmente, mesmo já sendo adulto. Quando Jesus diz: “Quem acolhe em meu nome uma criança como esta, acolhe a mim mesmo” (Mt18:5), não está fazendo uma apologia da adoção de crianças, mas sim que as pessoas devem acolher dentro de si mesmas uma criança como aquela, devem tornar-se interiormente como uma criança, vivendo com a simplicidade e naturalidade de uma criança, tão puro como esta. Conseguindo isso, terá se tornado então uma criança da Criação, uma criança de Deus! Como é doloroso, tristemente significativo, que o ser humano chame de “comportamento adulto” justamente tudo aquilo que sabe ser errado... A reciprocidade que o atingirá será igualmente adulta.

Simplicidade e naturalidade! Dois conceitos intimamente ligados a tudo quanto é puro, e que a humanidade foi perdendo pouco a pouco à medida que elevava o raciocínio ao pedestal mais alto do seu altar de idolatrias.

Na época de Cristo, o raciocínio já há muito ocupava o trono de divindade mais elevada para os homens, à qual eles oravam com fervor sempre que queriam lançar mão de maquinações intelectivas para atingir míseros objetivos terrenais. Em sua segunda Epístola aos Coríntios, Paulo manifestou claramente seu temor a respeito: “Receio que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam corrompidas as vossas mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo.” (2Co11:3). É essa serpente da astúcia do raciocínio que está sempre procurando enganar o ser humano, incutindo-lhe a dúvida se realmente Deus teria dito algo sobre o comportamento dele esperado: “É verdade que Deus vos disse: ‘Não comais de nenhuma das árvores do jardim’?” (Gn3:1). Uma pergunta ardilosa, capciosa, pois apenas o deleitar-se com o fruto de uma única árvore fora proibido ao casal da raça humana. Com essa pergunta, a astuta serpente dirigiu a atenção da mulher justamente para o que havia sido vedado, fazendo-a esquecer de todo o esplendor à sua volta, do qual ela e seu companheiro podiam desfrutar a qualquer tempo.

Realmente, essa serpente do raciocínio é o mais astuto e com isso o mais perigoso dos animais que assediam a criatura humana: “A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos” (Gn3:1). E agora, no final dos tempos, ela já conseguiu seduzir o mundo inteiro: “A antiga serpente, o sedutor de toda a humanidade” (Ap12:9). Obteve esse triunfo mesmo sendo o mais limitado dos animais, estreitamente ligado à matéria grosseira terrena, conforme indicado nessa determinação divina: “Rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida” (Gn3:14).

Unicamente uma pessoa simples e natural, de espírito livre e móvel, portanto pura como uma criança, pode intuir a grandeza da Criação e pressentir nela a Vontade do Criador, pela atuação de Suas leis inflexíveis. Aos escravos do raciocínio não é facultado obter este reconhecimento, mesmo que queiram, mesmo que se esforcem nesse sentido. Nunca será possível ao raciocínio, que é um mero produto do cérebro, órgão pertencente ao corpo material do ser humano, desvendar enigmas cujas soluções encontram-se em planos mais elevados da Criação, simplesmente porque “as coisas do Espírito de Deus se discernem espiritualmente” (1Co2:14). Apenas espiritualmente. As “coisas do Espírito de Deus” são as obras da Vontade de Deus, do Espírito Santo.

Para o ser humano que desperta espiritualmente, a diferença entre os frutos do raciocínio e os do espírito se lhe torna subitamente clara e nítida, como se uma venda ou escamas lhe caíssem dos olhos, tal como ocorreu com o apóstolo Paulo na época de sua conversão: “Imediatamente caíram dos olhos de Saulo como que umas escamas, e ele recobrou a vista” (At9:18). Recobrada a visão real, o ser humano deve procurar tornar-se uma criatura mais intuitiva. A intuição redespertada e continuamente robustecida age como um benfazejo colírio em seus olhos recém-curados, “um colírio para ungir os olhos, de modo que possas ver claro” (Ap3:18). Ver claro, sempre mais claro… porém sempre dentro do âmbito do espiritual humano.

Assim como o raciocínio humano é incapaz de divisar valores espirituais nem compreender nada da região espiritual, situada acima da matéria, o espírito humano tampouco pode compreender coisas referentes à região divina, situada acima do seu ponto de origem, e muito menos ainda pretender trazer em si algo de divino. A suposição de que o ser humano contém em si algum elemento divino, ou que até poderá tornar-se divino algum dia, é mais uma decorrência da proverbial presunção humana, que desconhece qualquer limite, adubada que é pelo vaidoso raciocínio. E isso já vem de longe… No século II, o já mencionado Irineu, atual “São Irineu”, ensinava a todo mundo que “a humanidade elevar-se-ia até a divindade.”

É preciso salientar, contudo, que para o espírito humano não deve existir nenhum enigma ou mistério nas partes da Criação situada abaixo dele. Classificações enigmáticas sobre essas regiões foram criadas pelo cérebro humano, como uma espécie de auto-atordoamento e engodo, depois que seu dono, o ser humano terreno, se desvencilhou de todo o verdadeiro saber que chegou a possuir outrora, numa época em que seu desenvolvimento ainda se processava de modo normal, tendo-se voltado exclusivamente para a matéria e deixado atrofiar dentro de si as faculdades de seu espírito. Um crime terrível, e ainda praticado sob uma espécie de orgulho coletivo da humanidade, o qual cresceu na mesma proporção em que aumentava seu grau de miopia espiritual, até chegarem ambos à máxima arrogância e à mais completa cegueira, características que passaram para a História fundidas no nome materialismo.

Para se desvendar os ditos “enigmas” é necessário mobilidade do espírito, algo que os escravos racionalistas da ciência não possuem mais. Contudo, são exatamente estes seres estritamente intelectivos – que em sua maior parte sequer admitem a existência do espírito e muito menos ainda de um Criador – os que insistem em pesquisar assuntos de caráter espiritual com seu restrito raciocínio atado à Terra. Eles querem desvendar os segredos da Criação com balanças, tubos de ensaio, microscópios eletrônicos e telescópios orbitais… Uma situação que seria até empiricamente cômica, não fosse tão triste, indizivelmente triste.

Sem ter nenhuma consciência disso, essa gente inteligente se comporta frente ao restante da humanidade como se detivesse as chaves da Criação, com suas teorias mirabolantes e seu linguajar inóspito. Nunca poderão reconhecer que sua presumida sabedoria é incapaz de proporcionar ao mundo a mínima compreensão da sabedoria divina: “Onde está o sábio? Onde está o letrado? Onde está o investigador deste mundo? (…) O mundo, por meio de sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina” (1Co1:20,21); todos eles, “alardeando sabedoria, tornaram-se tolos” (Rm1:22).

O dogma da infalibilidade científica só pôde obter assim tão ampla e irrestrita aceitação, porque a humanidade como um todo deu muito mais valor ao raciocínio do que ao seu próprio espírito. A cada proclamação de um novo dogma da ciência sempre seguiu junto uma mordaça compulsória coletiva, na forma de uma linguagem obscura e hermética, totalmente inacessível aos não eleitos. Somente os membros da cúria científica detêm as prerrogativas para discutir os novos dogmas, benevolentemente outorgados aos intimidados plebeus de todo o mundo. Em conclaves internacionais eles exibem então seus trabalhos recheados de neologismos polissilábicos, condição indispensável para serem notados e reconhecidos pelos demais membros da irmandade.

Assim é realmente o mundo científico, e nada diferente. A maior parte desses cientistas materialistas nem de longe desconfiam do triste papel que desempenham na Criação com suas teorias fragmentárias. E, de todos, os piores são os que defendem teses materialistas sobre a origem da vida e do Universo. Esses tais acreditam piamente que a vida na Terra surgiu do “acaso”. Um dos maiores expoentes dessa trupe (prêmio Nobel por sinal) nos assegura que “a vida surgiu por acaso, quando num determinado momento alguns elementos químicos se combinaram e passaram a fazer cópias de si mesmos” (sic).

Segundo essa idéia, os bilhões de seres humanos na Terra, as incontáveis espécies animais e vegetais, vírus e dinossauros, bactérias e baleias, todas as formas de vida que povoam o planeta ou que já passaram por aqui, são o resultado da fortuita combinação de alguns elementos químicos – vindos não se sabe de onde – ocorrida há três bilhões de anos, os quais, entediados que estavam em meio àquela insípida sopa primordial, resolveram começar a fazer cópias de si mesmos e deu no que deu. Em alguns planetas, como Marte por exemplo, esses voluntariosos elementos químicos não quiseram se reproduzir, e é por isso que não vemos hoje nenhum cientista marciano tentando explicar como a vida surgiu…

Uma explicação dessas para a origem da vida, capaz de arrancar uma justificada gargalhada de um camponês analfabeto, é o máximo que a ciência tem a oferecer como resultado do trabalho do raciocínio. Isso deveria constituir a prova, para as pessoas ainda despertas, de que o intelecto é completamente incapaz de fornecer respostas aos questionamentos mais profundos da existência humana.

A ciência é útil para explicar e catalogar fenômenos exclusivamente materiais, terrenos, tendo de malograr fragorosamente quando se atreve a querer explicar coisas que estão acima das fronteiras que a delimitam. Já bem dizia Albert Einstein, um dos poucos cientistas que não se sujeitaram à escravidão voluntária do raciocínio: “Precisamos tomar cuidado para não fazer do raciocínio o nosso ‘deus’; ele tem músculos poderosos, é verdade, mas nenhuma personalidade.”

Albert Einstein afirmava que “a verdade está na ponta dos dedos”, e que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”. Como isso, queria dizer que primeiramente hauria o que tencionava descobrir, para somente depois formulá-lo em conceitos físicos e matemáticos. Era a intuição comandando e o raciocínio executando. A parte intuitiva como dominante, e a parte ativa como executante.

Essa profícua e rara utilização conjunta de intuição poderosa e raciocínio aguçado, direcionada no sentido certo, fez o grande cientista se destacar de imediato de seus pares. Sua maneira de ser, porém, não era esnobismo, como podia parecer à primeira vista, mas sim a exteriorização de uma rica vida interior. Isso se evidencia nitidamente até hoje. Quando lemos num mesmo livro as idéias de Einstein e em seguida as de outros físicos teóricos contemporâneos, parece que saímos de uma floresta alegre e luxuriante e adentramos num deserto árido, hostil e sem vida.

A falta de personalidade do raciocínio, denunciada por Einstein, pode se tornar fatal para o espírito humano que a ele se submete incondicionalmente. O ser humano atual tão cheio de si e seu raciocínio supercultivado assemelham-se a um garboso cavaleiro montado num cavalo bravio, de “músculos poderosos” como dizia Einstein, que o jóquei acredita já ter domado há muito. O cavaleiro se mostra orgulhoso das qualidades e do porte de seu cavalo, absolutamente convencido de que este lhe é submisso, estando sempre pronto a acatar suas ordens. Querendo mostrar então do que o cavalo é capaz, ele o esporeia com toda a força e o deixa galopar sozinho, com antolhos e sem rédeas, no caminho escolhido pelo próprio animal. Todavia, ainda que tal caminho esteja repleto de perigos e conduza diretamente a um abismo, o cavalo xucro não se deterá diante de nada uma vez iniciada sua desabalada carreira. E como “um cavalo não domado torna-se intratável” (Eclo30:8), acabará por perecer junto com seu desafortunado dono. Desafortunado e bastante tolo também, diga-se.

Apesar da lógica cristalina que reside nessa impossibilidade natural, de se querer apreender fenômenos espirituais com meios materiais, a maior parte desses seres humanos de raciocínio jamais poderá reconhecer essa sua limitação. Não exatamente por vaidade, mas por absoluta incapacidade. Justamente por acreditarem que o raciocínio é a chave para tudo, que pode resolver tudo, os cientistas se privam da capacidade de vislumbrar o que se encontra além dos limites traçados para o saber intelectual. Para eles é de todo impossível estender a visão para além deste ponto, sequer podem ainda considerar a hipótese de que exista algo que o raciocínio não seja capaz de destrinchar. Não possuem mais, na realidade, a capacidade para tal discernimento. Suas asas espirituais já estão por demais atrofiadas, conseqüência de sua malfadada desobediência à Lei do Movimento na Criação, e por essa razão jamais lograrão empreender um vôo jubiloso até as alturas, ao reino luminoso do espírito.

Restringidos pelos antolhos do intelecto supercultivado, esses assim tolhidos imaginam estar no ápice do saber humano com sua diminuta ciência atada à Terra. E, realmente, para eles é assim mesmo. Encontram-se de fato no ápice de um saber medíocre, o qual ocupa um degrau ínfimo diante do verdadeiro saber que poderiam ter da imensa obra da Criação, caso fizessem uso certo das capacitações de seus espíritos.

Esses pretensos sábios supõem estar nas alturas máximas, imaginam ser os absolutos e os superiores dentre toda a humanidade e, no entanto, toda sua atividade, todas as suas concepções formam-se e movem-se dentro dos limites mais estreitos do plano mais baixo de toda a Criação: o plano material. Absolutos e superiores são eles lá dentro dessa sua limitadíssima redoma terrena, que podem ver, cheirar e apalpar, e que consideram como a única realidade existente. E que para eles de fato é a única, já que não são mais do que espíritos atrofiados, indissoluvelmente chumbados à matéria, muito ocupados em difundir e alardear seu “saber” em congressos e seminários, em comover suas seletas platéias com um escambo sem fim de teorias e hipóteses. Com sua mente puramente materialista, de que tanto se orgulham, com seus espíritos adormecidos, eles perfazem, todos juntos, o axioma com que definem o ser humano terreno: “meros sistemas digestivos cônscios de sua morte”. Eles mesmos são a comprovação cabal dessa triste realidade, da qual, porém, não fazem parte as pessoas simples e de coração puro, não restritas como eles próprios.

Visto de cima, o papel que essas sumidades desempenham não alcança o patamar do risível nem atinge as raias do ridículo, mas permanece abaixo. Assemelham-se a uma colônia de cepas patogênicas observadas num microscópio, discutindo acaloradamente sobre a origem da vida, absolutamente convencidas de que o Universo se resume à lâmina de vidro em que patinam… E lute alguém contra essa muralha de estupidez. Logo terá de ver como se confirmam à exaustão as palavras do poeta alemão Friedrich von Schiller (1750 – 1805): “Contra a estupidez, até mesmo deuses lutariam em vão.” Os deuses poderiam até tentar moer o estulto num pilão que nem assim conseguiriam alguma coisa: “Ainda que soques o estulto num pilão no meio dos grãos, sua estultice não se separará dele” (Pv27:22). Alguém ainda acresceu que os estúpidos impressionam, mas apenas pelo seu número... E nisso os cientistas contribuem com o maior dos quinhões. É melhor mesmo deixar essa gente esboroar-se em seus teoremas e afogar-se em seus teorias, chafurdar por inteiro na pocilga da arrogância intelectual, onde “a renitência dos néscios os mata, e o atrevimento dos insensatos os arruína” (Pv1:32).

O tão decantado progresso, que muitas dessas celebridades cerebrinas contrapõem, indignadas, às evidências nítidas sobre a limitação da ciência, não fez do Homo cientificus uma peça útil na engrenagem da natureza. Um único ser humano que respeita e ama a natureza, que procura conservar puros seus pensamentos e sua vontade, é muito mais útil na Criação do que toda uma legião de cientistas materialistas com seus aparatos técnicos e ridículas teorias fragmentárias. Estes últimos são apenas “sábios aos seus próprios olhos” (Pv3:7); são os pretensos sábios “que Deus apanha em sua própria astúcia” (1Co3:19), que só cuidam de “tomar a chave da ciência” (Lc11:52) para si e cujos “pensamentos vãos o Senhor conhece” (1Co3:20).

Pretensos sábios sim, que atam seus espíritos à matéria inerte e se algemam à técnica morta. Pretensos luminares que se orgulham de poder dissecar cientificamente uma flor, enquanto desprezam com seu olhar glacial qualquer um que, movido de terna simplicidade e naturalidade, é capaz de ao vê-la intuir um vislumbre do Amor do Todo-Poderoso e daí manifestar incontida alegria. A arrogância do raciocínio puro frente à humildade do coração puro… Que contraste!

Esta possibilidade de vislumbrar em coisas singelas o Amor que interpenetra a Criação é mais um dos reconhecimentos que ficam inapelavelmente “ocultos aos sábios e entendidos, sendo revelados aos pequeninos” (Mt11:25), pois, realmente, “mais vale o homem que tem pouca sabedoria mas que tem o temor a Deus, do que o homem que possui uma grande inteligência e que transgride a Lei do Altíssimo” (Eclo19:21). No fim dos tempos, o Senhor destruirá sua vã sabedoria e rejeitará sua inteligência: “Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes” (1Co1:19). Por outro lado, os pequeninos, com sua pureza de coração, nunca transgridem a Lei do Senhor, e devido a isso “o Senhor é bom para com os puros de coração” (Sl73:1).

E são justamente esses puros de coração, os pequeninos, “aqueles que se tornaram como as crianças” (Mt18:3) na Criação, e com isso ficaram aptos a ingressar no reino dos céus. São estes, apenas estes, que Jesus quer que venham até ele:

“Deixai as crianças, não as impeçais de virem a mim, pois o reino dos céus é para aqueles que são como elas.”

(Mt19:14)