Reforma política para avançar no aperfeiçoamento da democracia

A reforma política é outro ponto central da agenda de mudanças estruturais. Essa questão mereceu atenção do governo anterior e faz parte das prioridades do governo Lula. Ao tratar desse tema, é necessário estabelecer quais os pontos que são realmente essenciais envolvendo a reforma política, quais os que são secundários e quais os que, levados à prática, representariam um retrocesso no nível em que se encontra o exercício da democracia no País. Por exemplo, acabar com o acesso dos partidos políticos e dos candidatos ao rádio e à televisão, como muitos querem, seria um retrocesso.

Não incluir a retomada do debate sobre a adoção do parlamentarismo no Brasil, como uma medida de aperfeiçoamento da democracia e de maior participação popular no exercício do Poder, também representa um retrocesso. Essa questão foi objeto de debate durante a Constituinte e despertou interesses de importantes segmentos da sociedade. Tanto que se chegou a realizar um plebiscito, em 1993, sobre a forma de governo, tendo o regime parlamentarista alcançado expressiva votação. Contudo, essa questão não está na pauta atual da reforma política, razão pela qual deixa de ser tratada, não obstante a sua importância para o aprofundamento da democracia no Brasil.

Das propostas de reforma política postas em discussão, sem dúvida, devem merecer atenção prioritária aquelas que corrigem distorções no sistema de representação popular, que, a nosso ver, são as seguintes:

  1. A realização de eleições para cargos eletivos federais e estaduais em uma mesma data, que debilita o caráter nacional dos partidos políticos, mina sua unidade e disciplina, propicia alianças espúrias e vicia os resultados do pleito, comprometendo a qualidade da representação popular nas instituições do poder político.
  2. A forma de representação dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados, que não respeita nem o princípio da proporcionalidade prevista na Constituição, nem o princípio do sufrágio universal, uma das cláusulas pétreas da nossa Carta Magna.
  3. A presença de “senadores biônicos” no Congresso Nacional, para lá conduzidos por um sistema esdrúxulo de escolha dos suplentes de senadores, pelo qual eles não precisam de voto para chegar ao Senado. Trata-se de mais uma violação do princípio do sufrágio universal, que impõe o voto direto para escolha dos representantes do povo em qualquer cargo eletivo.

Feitas essas observações iniciais, vamos focalizar cada um dos temas que constam da agenda da reforma política, considerando propostas que têm sido objeto de debate, dentro e fora do Congresso Nacional.

A reforma política é a terceira na ordem de importância colocada na agenda do governo. Mas, o que está em discussão há bastante tempo no Congresso são propostas dispersas de partidos políticos e de parlamentares. De modo que não se sabe se o governo e sua base parlamentar vão encampar essas propostas. São elas:

  1. Cláusula de barreira. É uma medida que visa reduzir o número de partidos políticos, inviabilizando a representação parlamentar dos pequenos agrupamentos partidários, entre os quais aparecem legendas de aluguel, mas, também, legendas que expressam correntes ideológicas.

    O pretexto para a inclusão da cláusula de barreira na legislação partidária é que a existência de pequenas bancadas no Congresso e a dispersão partidária representariam um obstáculo para a formação de maiorias sólidas para votação de questões relevantes na legislação. Essas pequenas legendas imporiam dificuldades para negociações que não envolvessem concessão de tipo fisiológico. Trata-se de mero pretexto, pois a prática tem mostrado que as barganhas fisiológicas quem as impõe são grupos de parlamentares dos grandes partidos, o chamado “baixo clero”, tantas vezes denunciados em compra e venda de votos.

    A cláusula de barreira já está posta na legislação e deverá vigorar a partir das eleições de 2006. Ou seja, o partido que não alcançar 5 % dos votos dados para a Câmara Federal não terá representação parlamentar, não terá participação no fundo de financiamento partidário e não terá acesso ao rádio e à televisão para expor seu programa e suas candidaturas em eleições futuras. Deve ficar claro que o partido que não vencer a cláusula de barreira pode continuar funcionando, porque a Constituição garante o pluralismo partidário. Ele só não terá as regalias que os outros partidos terão.

  2. Financiamento público das campanhas eleitorais. É uma medida vista como solução para impedir a prevalência do poder econômico nas disputas eleitorais, manifestado na maior possibilidade de eleição daquele candidato que tem mais recursos financeiros. Além disso, a medida visa coibir a busca de recursos para as campanhas eleitorais junto a grupos econômicos, bancos, empreiteiras de obras, empresas concessionárias de serviços públicos e outras. Isto porque essas empresas, depois dos pleitos, pressionam os eleitos em busca de favores e negócios superfaturados em troca da ajuda concedida.

    A medida é boa, mas não resolve inteiramente a questão das desigualdades nas disputas eleitorais, considerando que a repartição dos recursos será feita proporcionalmente à votação obtida pelos partidos políticos, contemplando as grandes agremiações. Outra dúvida está na distribuição dos recursos entre os candidatos pelas direções partidárias, que podem privilegiar algumas candidaturas em detrimento de outras. E por fim, nada impedirá que partidos e candidatos busquem recursos por fora para suas campanhas, pois será praticamente impossível controlar e fiscalizar uma eleição de tamanho porte como é a brasileira, com dezenas de milhares e até centenas de milhares de candidatos, como é o caso das eleições municipais.

  3. Proibição das coligações para as eleições proporcionais. Ou seja, para deputados federais, estaduais e vereadores. Trata-se de uma tentativa dos grandes partidos de inviabilizar as pequenas legendas, inclusive as ideológicas. É uma espécie de reforço para a cláusula de barreira. Essa medida pode reduzir o número de partidos com representação parlamentar a quatro ou cinco agremiações, afastando do processo político importantes correntes de pensamento ideológico e doutrinário que uma verdadeira democracia deve contemplar.

  4. Restrição à divulgação das pesquisas eleitorais. Uma medida considerada, por muitos, como salutar para impedir que a manipulação dos levantamentos de opinião sobre a intenção de voto influencie os resultados das eleições. Trata-se de uma suposição, até porque, na maioria das eleições realizadas, nem sempre os candidatos que saem na frente nas pesquisas vencem as eleições. De modo que essa é uma restrição à liberdade de informação, que não contribui para o aperfeiçoamento da democracia. A liberdade de informação é um direito sagrado e deve ser preservada. Restrições à divulgação de pesquisas devem ser banidas da reforma política.

  5. Acabar ou reduzir o horário gratuito de rádio e televisão concedido, pela lei eleitoral, aos partidos e candidatos. É uma das propostas mais absurdas de restrição à liberdade de informação e ao direito de o eleitor conhecer os programas dos partidos e as propostas dos candidatos para formar juízo e votar conscientemente. Essa é uma conquista democrática do povo brasileiro, e invejada pelos eleitores de outros países, tal a sua importância para a democratização do processo eleitoral.

    Quem mais pressiona para que o acesso ao rádio e à TV seja extinto são os grupos econômicos, que pretendem manipular eleições por meio da despolitização do processo eleitoral. Também a grande mídia, que só pensa no faturamento de todos os espaços disponíveis, sem considerar que são concessões públicas no caso do rádio e da TV. Eis aí mais uma conquista da democracia brasileira que precisa ser preservada.

  6. Fidelidade partidária. Trata-se de medida para inibir a troca de legenda, segundo seus defensores. É discutível a necessidade de adotar uma lei para obrigar que alguém permaneça em determinado partido para sempre. É uma camisa-de-força que restringe a liberdade de opção partidária e de convicção doutrinária e ideológica, direitos consagrados pela Constituição.

    O ingresso e a saída de um partido é um ato voluntário, de vontade do cidadão. Nos casos em que ele exerce o mandato, o estatuto partidário é que deve prever as formas de cobrar disciplina e fidelidade ao programa e normas orgânicas da agremiação, não a lei. Afinal, segundo a Carta Magna, é assegurada a liberdade de consciência.

  7. Voto distrital puro ou misto. É uma proposta antiga, que a elite sonha implantar no Brasil porque essa modalidade de representação popular leva ao bi-partidarismo. É o que ocorre nos países que adotaram esse sistema e que não tem nada de popular, pois os dois partidos que disputam o poder, geralmente, são conservadores, um mais que o outro, alijando a esquerda da disputa do poder político.

    A adoção do voto distrital, misto ou puro, exigiria uma grande mexida na Constituição, uma vez que ela consagra o sistema de representação proporcional, tanto dos Estados na Câmara Federal quanto dos partidos nas casas legislativas em geral. O voto distrital adota o sistema de votação majoritária. Parece ser muito difícil implantar esse sistema no Brasil.

  8. Suplente de senador. A atual forma de escolha do suplente de senador precisa ser mudada. É um dos pontos da reforma de caráter prioritário que estamos abordando de maneira completa neste trabalho, incluindo uma emenda constitucional, pela qual o suplente passa a ter voto e deixa de ser “biônico”.

  9. Voto facultativo. É antiga a disposição de certos setores da área política, sobretudo os mais conservadores, de acabar com o “voto obrigatório”. Na verdade, o voto obrigatório não existe. O que existe é a obrigatoriedade de o cidadão alistar-se eleitor, habilitando-se a votar. Isso não quer dizer que ele seja obrigado a votar. O eleitor pode abster-se de votar, justificando a ausência, pode anular o voto e pode votar em branco.

    A obrigatoriedade do alistamento eleitoral tem um papel positivo para o fortalecimento da democracia no País, além de ter se transformado em estímulo à participação popular no processo político, valorizando a cidadania e despertando interesse em discutir os problemas do Brasil. Portanto, suprimir o chamado “voto obrigatório” seria um retrocesso para o nosso sistema eleitoral.

  10. Desproporcionalidade da representação dos Estados na Câmara dos Deputados: é velha a crítica de que o atual sistema de representação dos Estados na Câmara Federal não corresponde à igualdade do voto prevista na Constituição. Cita-se sempre que o voto do eleitor de Roraima vale dez vezes mais do que o voto do eleitor de São Paulo. Essa questão precisa entrar na atual reforma política. E a maneira de resolver, com justiça, a distorção existente é instituir o quociente eleitoral nacional, proposta que estamos apresentando neste trabalho.

  11. Separação das eleições de deputados das eleições para Presidente da República. Essa proposta não tem sentido. O que tem sentido é separar as eleições para cargos eletivos federais das eleições para cargos eletivos estaduais, precisamente para haver uma maior afinidade e coerência envolvendo a escolha do Presidente da República e dos parlamentares, que deverão formar a base de sustentação do governo. Neste trabalho, estamos apresentando uma proposta de emenda constitucional, devidamente fundamentada, para fazer essa separação, benéfica para o fortalecimento dos partidos nacionais e aperfeiçoamento da democracia.

A seguir apresentamos as propostas de reforma política que consideramos prioritárias, reunindo emenda constitucional e fundamentação que justificam as mudanças sugeridas. São elas: