O CHOQUE PERMANENTE
(14/12/2001)

O ser humano individual não conta mais. Os homens provaram estar sujeitos a falhas, e os sistemas devem impedir isso. Então não há mais espaço para os líderes. O que valem são os sub-sistemas idealizados para a manutenção do Grande Sistema que permeia a teia do poder pelo mundo, para que as populações não se entreguem a desvairos destrutivos nem as autoridades a devaneios populistas.

Nos países emergentes, em permanente desequilíbrio nas contas internas e externas provocando as crises fiscais e cambiais, a adoção do sistema foi o imperativo.

Tudo são esquemas aos quais os homens devem simplesmente seguir e se ajustar, se falharem, serão substituídos. Somente os que se submetem ao sistema são mantidos. Intuição e vontade própria não contam. No sistema os homens devem atuar mecanicamente, cumprindo determinações previamente elaboradas tendentes a alcançar os objetivos pré fixados.

O sistema foi aonde o ser humano conseguiu chegar com o seu intelecto subordinado ao tempo e espaço. Antes ocorreram muitas lutas. Os seres humanos que aspiravam por evolução do corpo e da alma foram aos poucos sendo sobrepujados pelo crescente número de adeptos do materialismo, que com a intervenção do intelecto, foram construindo teorias para justificar o uso da força de conformidade com os interesses do poder.

O sistema de decisões acaba se sobrepondo a tudo o mais, posto que os estatutos constitucionais resultaram bonitos no papel, mas os dispositivos utópicos e inviáveis jamais chegaram a se realizar. Faltou-lhes uma base real consentânea com as leis naturais. A ilusão de que constando das Constituições seriam concretizados por mágica, sem que o ser humano se preparasse para as grandes realizações. Muita coisa tinha que resultar em letra morta posto que faltava o essencial, faltava a compreensão sobre o real significado da vida. Assim tinha de crescer a indiferença e o desinteresse da massa pelos assuntos de real interesse da existência humana. Qual o real sentido da vida? Quem ainda se interessa em pesquisar quando as decisões importantes seguem por determinações padronizadas e rígidas sem muito a ver com o real sentido da vida? Um viver fictício e o uma falsa felicidade foram a resultante.

O Poder Religioso e o Poder Político estiveram associados por muitos séculos. Até que o poder econômico passasse a interferir como divisor de águas, separando no mundo ocidental, o religioso do político, subordinando o político aos sistemas de decisões atrelados à economia e finanças. Mas as cisões, as lutas pelo poder, a desconfiança e o ódio entre os agrupamentos humanos forjaram as bases para o permanente estado de choque em que a humanidade vive atualmente.

O sistema prossegue singrando os mares, firme como um Titanic. Isto é, até agora as manobras tem sido bem sucedidas para o sistema, para os passageiros nem tanto. Os movimentos bruscos desequilibram tudo, as pessoas não sabem onde se agarrar em seu permanente estado de choque. Nos porões a desordem toma conta e tudo é risco para a vida. No distante Amapá, pesquisando a natureza, o velejador neozelandês, Peter Blake, foi parar sob a mira das armas dos piratas do rio, os modernos caçadores de “money” que ampliam o submundo do crime e da violência.

Tudo é perigoso nesses países que se deixaram embrutecer. A vida continua, é verdade, mas não há como fugir aos estragos na qualidade humana, mesmo que eles sejam rapidamente esquecidos na turbulência dos acontecimentos. No passado havia uma expetativa de continua melhora das gerações, mesmo em famílias pouco letradas, havia a possibilidade de um filho se formar em curso superior. Hoje eles mal conseguem ultrapassar o primeiro grau, estão sem ocupação definida. A violência se alastra pelas megacidades e pelo interior também.

As megacidades sempre enfrentaram problemas na gestão e aplicação dos recursos, priorizando obras eleitoreiras, descuidando-se do uso e ocupação do solo. Os déficit crônicos levaram ao endividamento, e as elevadas taxas de juros fizeram a sua parte na inviabilização das cidades. Então, tudo que se fizesse resultaria numa construção frágil destinada a ruir aos primeiros ventos das dificuldades. E no entanto o ser humano dispõe de capacitações que o habilitariam a uma construção sadia e duradoura, apta a gerar paz, evolução e felicidade real sobre a face da Terra.

Um novo e verdadeiro sistema está em gestação. O sistema que deverá tomar como base a vida em toda a sua amplitude favorecendo o enobrecimento humano. Antes disso porém, os seres humanos que deixaram que sua alma se embrutecesse, terão que colher as conseqüências daquilo que semearam.