A GRANDE CILADA
(26/04/2001)

Causa estranheza a forma displicente com que as autoridades governamentais de vários países deixaram crescer o passivo em moeda externa.

Qualquer administrador, por mais simples que seja o seu empreendimento, sabe que a constituição irresponsável de um passivo financeiro poderá levá-lo à ruína.

Os países retardatários da periferia não dispunham de acumulação de capitais. Por isso deveriam programar as suas contas e o desenvolvimento de tal forma que não cavassem um abismo para as suas populações.

Educação e preparo, aproveitamento dos recursos naturais, estímulos à produção através da ampliação do mercado interno. Convocar a classe empresarial para o aproveitamento das oportunidades do mercado externo. Manter o equilíbrio das contas, internas e externas. Não contrair empréstimos internos e externos para dissipar em consumo, mas prioritariamente para investimentos produtivos auto-suficientes em retorno para assegurar os futuros resgates e pagamentos dos juros. Simples assim para assegurar o progresso e a estabilidade. Foi preciso fazer muitas besteiras para chegarmos a esse sufoco, cujo maior exemplo é a Argentina, da qual não somos muito diferentes.

Ao invés de trilhar o caminho árduo do trabalho, da produção, do adequado preparo da população, a classe política só pensava na próxima eleição. A empresarial, em como obter o máximo de vantagens à custa do Estado. A população era distraída com pão e circo, sonhando com o Estado Previdenciário que atendesse o máximo de suas necessidades sem precisar estudar ou trabalhar muito. Ora, assim não era exeqüível o aumento de produção, a ampliação do mercado interno, a boa formação da mão de obra, e menos ainda conseguir divisas internacionais através de exportações.

Com a indisciplina fiscal foram surgindo os déficits e com eles a inflação. O choque do petróleo provocou uma comoção nacional. A população queria petróleo porque havia uma indústria nascente de carros ultrapassados e, sem combustível, para que produzir automóveis. Assim, assumimos uma enorme conta externa com a importação de petróleo, mas não fizemos investimentos mais intensos no transporte público. Hoje temos ruas congestionadas e a população sofrendo horas nas precárias condições de transporte para o trabalho.

Quando a liqüidez apresenta um elevado montante disponível, os Banqueiros correm para girá-lo em operações. Tornou-se cômodo procurar como tomadores Estados soberanos, por oferecerem melhor rentabilidade e com possibilidade de oferecer maior segurança. Assim se contratavam os empréstimos estabelecendo cláusula de taxas de juros variáveis, segundo o mercado, taxas que alcançaram até vinte por cento ao ano na década de 80. Mas agora ficou mais cômodo ainda, os capitais voláteis circulam livremente, entram e saem quando bem entenderem, sempre à procura do melhor rendimento e de segurança. O Estado Soberano fica refém, perdendo sua auto-determinação, passando a atuar em função das determinações mais adequadas aos capitais.

Após o choque do petróleo veio o choque da dívida, as décadas perdidas. A produção estagnada, o mercado interno fragilizado com o progressivo desaparecimento da classe média. Desvalorizou-se a moeda para promoção de saldos positivos nas exportações, mas as divisas geradas eram adquiridas pelo Banco Central para atender aos compromissos da dívida, resultando uma aspiral inflacionária e o aumento do endividamento interno como redutor do meio circulante. A moeda era corrigida diariamente a débito do Tesouro Nacional.

Foi aí que surgiram as âncoras cambiais para segurar a inflação, desestimulando a produção interna pela perda de competitividade. Abriam-se as portas aos importados. Tudo, desde frutas frescas e alface, até bens de capital produzidos internamente e, ao mesmo tempo, valorizava-se a moeda interna. A festa dos importados durou até a próxima eleição. As autoridades fazendárias iludiam a população prometendo aquilo que todos sabiam ser impossível manter, assim como ocorre atualmente na Argentina.

Serviços e mercadorias tinham as portas abertas, já as exportações eram uma outra conversa porque os países do centro sempre protegem os seus empregos. A desregulamentação da movimentação de capitais financeiros acabou com os empréstimos formais e a possibilidade de um planejamento do fluxo de caixa, porque com a livre movimentação de capitais os Estados ficaram a mercê dos capitais internacionais, com o risco efetivo de esgotar as reservas cambiais, ficando obrigados a aceitarem escandalosas taxas de juros de agiotagem para rolar a divida.

Assim o problema do Balanço de Pagamentos nunca encontra uma solução apropriada, provocando uma instabilidade geral que se reflete no campo social, porque os governantes ficam incapacitados para solucionar os problemas internos que se agravam continuamente, fazendo dos países periféricos o pior dos mundos para se viver, com miséria econômica, insegurança pública, desatendimento nos campos da saúde pública e educação.

Essa a grande cilada em que se envolveram os países periféricos. Apesar da grande miséria interna, foram caudatários de enormes riquezas transferidas para os países do centro onde se concentram os capitais. E em meio a toda essa tragédia econômica e financeira que se reflete visivelmente no campo social, a classe política não tem tempo de cuidar dos interesses da população face às despudoradas manobras na luta pela conquista e manutenção do poder, que acarretam o descrédito das instituições.

Envolvidos nas ciladas financeiras, as autoridades governamentais deixaram de cumprir seu papel prioritário de promover o aprimoramento da população em todos os sentidos através do enobrecimento humano. O dinheiro subiu ao trono como o alvo de maior apego. A vida foi perdendo a sua característica essencial fortalecendo-se o processo de desumanização, resultando tudo num mundo frio e sem coração.